Saudações, caros amigos!
Então é natal, e o John Lennon sempre aparece nessa época (ok, eu sei, o Papai
Noel também) pra perguntar: e o que você fez? Esse ano eu queria ter alguma
coisa legal pra contar pro cara, então resolvi escrever essa carta
(pessoal/coletiva) para alguns amigos. Se você está lendo provavelmente é um
deles.
Há muito tempo me sinto
em débito com o passado, emocionalmente inadimplente com pessoas que
fizeram/fazem parte da minha história. Não preciso contar pra ninguém que, em
alguma idade, a vida pisa fundo no acelerador e a gente fica só vendo a
paisagem e os pontilhados da estrada se transformando numa só linha infinita. E
essa é a desculpa pra tudo que ainda não fiz, ou não tinha feito, incluindo
essa carta. Mas, cá estou eu, ainda em tempo hábil. Todos os anos, nessa mesma
época (o fim do ano), me visitam, além do John Lennon, diversos fantasmas de
natais passados, cobrando meus planos que não realizei, minhas desistências, as
pessoas que não visitei e as ligações que não fiz e, enfim, todas boas
intenções que superlotam o inferno.
Hoje, com 30 anos, meu
corpo praticamente não tem cicatrizes, talvez pela minha aversão a esportes
praticados sem cadeiras, mas, minha alma deve ter mais de um milhão de
tatuagens. São pessoas que cruzei em alguma esquina dessa existência, que me
acompanharam durante anos, ou que conheci e disse adeus para sempre numa dessas
curvas da highway. A profundidade dessas marcas nem sempre é diretamente
proporcional ao efeito do tempo, pelo menos não ao da física clássica. Com
certeza tem mais a ver com esse rio quântico que percorre as entrelinhas e
atalhos dessa estrada. Está tudo ali, gravado na minha epiderme astral, cada
sensação, cada encontro, porre, noite, beijo, poesia, canção, etc. E, por
alguns instantes, mergulhado nessa piscina, consigo evocar tudo isso novamente.
Não lamento a sorte de nenhuma relação que tive, todas cumpriram seu papel no
tempo, a rasura perfeita na sua hora. Não descarto, nem projeto nenhum futuro
para esses versos. Não sei quantos voltarei a encontrar nesse plano, se é que
há outro. Todas essas memórias ainda me doem e, de concreto, é só isso. E tudo
que eu dissesse além disso não passaria de jargões exotérico filosóficos
baratos, semelhantes aos que se multiplicam nas livrarias. Vamos poupar essa
história dos livros de auto ajuda e da ética protestante. Vamos ficar com o
Fernando Pessoa e, continuar acreditando que tudo vale a pena se a alma não é
pequena. Vamos ficar com o Guessinger comparando a vida a um quadro
pontilhista, onde cada ponto isolado nada representa, mas, juntos, todos esses
recortes, vistos à distancia, finalmente fazem sentido. Continuarei pontilhando
a tela, mesmo sem ter noção do desenho final. Obrigado pelos pontos que fizemos
juntos.
Gosto de pensar que o
que nos uniu se transformou e nos fez melhores nessa suave alquimia do tempo;
que os sentimentos perdem a urgência e ganham constância, longe da violenta
chama da paixão. Essas são pílulas que me confortam contra a inexorável
passagem das horas e as distâncias que ficam sempre maiores. Mas, como nada do
que foi será de novo do jeito que a gente queria que fosse que, no mínimo, seja
muito melhor. E, por mais fugaz que seja o instante, esse é o vinho que temos à
mesa e, ele também envelhecerá e fará parte da doce safra da memória.
E finalmente, que 2012
venha carregado das melhores energias que o universo possui e, traga mais
reencontros do que despedidas, mais
beijos do que bombas, mais poesia do que
notícias ruins e, pelo amor de Deus, menos clichês publicitários baratos. Feliz
natal e um lindo ano novo para todos nós, cheio de paz e muitas alegrias e um último
brinde: à Fernando Pessoa.
Amém .
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